MONTESSORI, Maria Tecla Artemesia. Pedagogia científica: a descoberta da
criança. Tradução Aury Azélio Brunetti. São Paulo: Editora Flamboyant, 1965.[1]
Hercília Maria Fernandes
Universidade Federal de
Campina Grande
Marta Maria de Araújo
Universidade Federal do
Rio Grande do Norte
Pedagogia científica: a descoberta da criança, título original La Scoperta del Bambino (1909), é uma das obras clássicas da
médica e educadora italiana Maria Tecla Artemesia Montessori (1870-1952), resultante de estudos e experiências
escolares, desenvolvidos por Maria Montessori nas “Casas dei Bambini”, instaladas,
inicialmente, em San Lorenzo, bairro de Roma, Itália. A resenha justifica-se
pela relevância da obra à Pedagogia da Escola Nova ou à Pedagogia Experimental,
últimos ensinamentos na ciência de um modo de ensinar e educar a criança em conformidade
às bases do “Método Montessoriano”, relacionado com a educação
sensorial.
O livro
discute a educação da criança pelos princípios, especialmente, da Pedagogia
Experimental, sendo constituído por “Apresentação”, de Madre Ana Vitória de
Sion; “Introdução”, de Mário M. Montessori (único filho de Maria Montessori), e
“Capítulos”. A finalidade de Montessori (1965, p. 9) era atribuir “[...] aos
novos métodos [...] uma via prática, que presumem dotar a pedagogia de uma
utilização mais ampla das experiências científicas sem, contudo, afastá-la dos
princípios especulativos que lhe constituem as bases naturais”.
No primeiro
capítulo “Considerações críticas”, Maria Montessori reflete a necessidade de reformar
a escola e de afirmar uma pedagogia de base científica. Opondo-se às
recompensas e punições escolares, por ela concebidos “carteira escolar da alma”,
defende com veemência a “liberdade” como princípio norteador do modo de educar.
A “reforma da escola” permitiria “o livre desenvolvimento da atividade da
criança”, para assim se exercitar uma pedagogia científica. O educador, “observador da humanidade”, de “alma mística e científica”,
aprenderia com a criança a se aperfeiçoar como educador.
Em “Antecedentes
do método”, Maria Montessori se referencia no método fisiológico de Édouard Séguin,
à educação das “crianças mentalmente deficientes”. Atenta aos fundamentos da
Psicologia, da Higiene e da Antropologia, principalmente, adverte que o método
educativo às crianças “normais” estava por delimitar-se. Os estudos sobre a criança,
em si, não consistiam em uma pedagogia científica, por ausência de compreensão da
atividade infantil ou de “um novo modo de educar”. O Método Experimental deveria
pautar-se na observação das livres expressões das crianças, em ambiente estimulador
capaz de fazer “descobrir [...] a sua verdadeira psicologia”.
No capítulo “O
ambiente”, Maria Montessori defende a criação de um ambiente escolar que permita
“[...] a observação metódica do crescimento morfológico dos alunos” (p. 42). A observação
metódica ou o “método da observação” fundamenta-se na “[...] liberdade de
expressão que permite às crianças revelar-nos suas qualidades e necessidades”
(p. 42). Propõe, então, um “padrão de mobília escolar” composto por mesas,
cadeiras, armários, pias, objetos sensoriais e “da vida prática” proporcionais
à fisiologia da criança e à sua necessidade de agir inteligentemente. A função
da “mestra”, nesse caso, consiste em orientar o uso específico de cada material
no ambiente.
Conceder liberdade
às crianças, segundo a autora, é libertá-las de “[...] obstáculos que impedem o
desenvolvimento normal de sua vida” (p. 58). “A saúde” dos “pequerruchos” depende
dos estímulos oferecidos pelos adultos, de modo a não “oprimir” e “enfraquecer”
a alma e o corpo infantil. Fazer com que cada criança na escola se sinta
compreendida em suas necessidades “[...] é abrir-lhes as portas da saúde” (p.
60). Assim, em “A natureza na educação”, orientada nas ideias de Jean Jacques
Rousseau, Maria Montessori argumenta que a primeira infância necessita “viver
em natureza” e “não apenas conhecê-la”. As energias musculares da criança demandam
“libertar sua natureza”, revelando a saúde de sua força física.
Em “O homem vermelho
e o homem branco”, Maria Montessori prossegue a discussão sobre as energias musculares.
Pensa a vida vegetativa (sistema sanguíneo) e a vida de relações (sistema
nervoso), em que figuram mecanismos de interdependência necessários ao funcionamento
do organismo. Por isso, nenhum método de educação deve inibir o “movimento”,
mas auxiliá-lo “[...] ao bom emprego das energias e ao desenvolvimento normal”
(p. 78-79). Relaciona, pois, uma variedade de materiais e exercícios articulados
à “vida prática”: pôr a mesa, abrir e fechar gavetas, abotoar camisas e enlaçar
fitas; ao “andar”: equilibrar-se sobre uma “linha” desenhada em “elipse” no pavimento
e à “livre escolha”: tocar, associar e agrupar cartões de lixa, barras,
bastonetes em fusos para cálculos decimais, prismas, encaixes planos e
cilindros sólidos, letras móveis sobre um “tapetinho”. Esse conjunto de
elementos articulado às atividades sensoriais proporciona unidade ao “Método Montessoriano”,
base da educação dos sentidos.
No capítulo
“Generalidades sobre a educação sensorial”, Maria Montessori reflete a educação
dos sentidos que precede às faculdades intelectuais superiores, devendo ocorrer
“[...] mediante uma graduação e adaptação dos estímulos [...]” que auxiliará “[...]
na formação da linguagem” (p. 98). Os materiais sensoriais devem se agrupar em
série mediante determinadas qualidades: cor, forma, dimensão, som, textura,
peso, temperatura etc. Trata-se de uma “[...] graduação em que a diferença de
objeto a objeto varia regularmente” (p. 105). Para tanto, deve-se “isolar”,
apenas, uma qualidade do material. A fim de trabalhar o sentido “visual”, por
exemplo, a mestra apresenta à criança objetos idênticos de modo a se identificar
apenas uma diferença: a “cor”. Além do princípio de “isolamento”, os materiais
devem conter “controle do erro”, “estética”, “possibilidade de auto-atividade”
e “limites”. Nesse modo de ensinar e educar, a mestra deve “dar a sua lição” com
“simplicidade, objetividade e veracidade” mediante “três tempos”: i) pronunciar
os nomes e adjetivos dos objetos com exatidão: “este é liso, este é áspero!”;
ii) comprovar se a criança apreendeu a sua propriedade, apontando qual objeto é
“liso” ou “áspero”; iii) pronunciar o nome da qualidade de cada objeto,
conforme pergunta da mestra: “como é
isto?”. Se a criança apreendeu o nome da propriedade, responderá: “isto é liso;
ou, isto é áspero!”.
Os órgãos
dos sentidos, segundo Maria Montessori, são órgãos de “apreensão” que estimulam
o “entendimento” das imagens do mundo exterior, como a mão é o órgão de
apreensão da matéria. Por essa razão, a Pedagogia Experimental, destinada a “elevar
a inteligência”, deverá elevar esses dois meios de atividade: “os sentidos e as
mãos”. Os “Exercícios” sensoriais consistem “A pedra de toque” para “observar” como
a criança “[...] aprendeu a pôr cada coisa em seu lugar” (p. 166). O “ensino do
silêncio”, favorecedor da disciplina motora e mental; os exercícios dos
“mecanismos da inteligência”, indispensáveis ao controle do lápis na mão e sentido de direção das formas, letras
e números; e as “percepções” táteis, visuais e auditivas, necessárias à
correspondência sonora e gráfica e às “diferenciações” de propriedades, constituem,
portanto, os “materiais de desenvolvimento” que direcionam, gradualmente, o modo
de ensinar e educar a criança na sala de aula infantil.
A “Linguagem
gráfica”, a “Leitura”, a “Numeração e iniciação à aritmética”, o “Desenho”, a “Música”,
a “Educação religiosa” e a “Disciplina”, integram, conjuntamente, uma “série de
exercícios” que constitui a educação da primeira infância, mediante “Ordem e
progressão na apresentação do material”. Isto é, sucessão de “graus” da Pedagogia
Experimental. Em outras palavras, representa o “método da educação sensorial”
refletido, aplicado e analisado pela educadora Maria Montessori.
A “educação dos
sentidos”, mediante gradação e adaptação dos estímulos sensoriais, é que permitia,
pois, a “instrução” de cada criança pela própria iniciativa. Os princípios do
“Método Montessoriano” oferecem “direção” à experimentação ativa dos objetos. O
“contrôle do êrro” dos “materiais de desenvolvimento” possibilita redimensionar
a ação da criança, dirigindo a sua atividade para “novas descobertas” –
fundamento da Pedagogia Experimental. Oferta, simultaneamente, elementos às “observações
psicológicas” da nova mestra, “diretora do trabalho espontâneo”.
Enfim, a
Pedagogia Experimental com seus fundamentos bio-psicológicos, antropológicos e sociológicos
habilitaria o mestre a distinguir cada individualidade para acompanhar,
sistematicamente, seu desenvolvimento físico, mental, moral. Por conseguinte, a
Pedagogia Experimental, colaborando com a observação e a experimentação nos
lugares de aprendizado e de sociabilidade da criança, orientava um modo de
ensinar renovado, fazendo uso em “larga escala” da educação dos sentidos.
[1]
Resenha publicada, originariamente, na Revista Educação em Questão, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Ver arquivo em PDF.
Para
referenciar: FERNANDES, Hercília M.; ARAÚJO M. M. Pedagogia científica à
descoberta da criança. Revista Educação
em Questão, Natal, v. 50, n. 36, p. 248 -252, set./dez. 2014.
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