quarta-feira, 8 de março de 2017

Resenha: Pedagogia científica à descoberta da criança

MONTESSORI, Maria Tecla Artemesia. Pedagogia científica: a descoberta da criança. Tradução Aury Azélio Brunetti. São Paulo: Editora Flamboyant, 1965.[1]

Hercília Maria Fernandes
Universidade Federal de Campina Grande
Marta Maria de Araújo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Pedagogia científica: a descoberta da criança, título original La Scoperta del Bambino (1909), é uma das obras clássicas da médica e educadora italiana Maria Tecla Artemesia Montessori (1870-1952), resultante de estudos e experiências escolares, desenvolvidos por Maria Montessori nas “Casas dei Bambini”, instaladas, inicialmente, em San Lorenzo, bairro de Roma, Itália. A resenha justifica-se pela relevância da obra à Pedagogia da Escola Nova ou à Pedagogia Experimental, últimos ensinamentos na ciência de um modo de ensinar e educar a criança em conformidade às bases do “Método Montessoriano”, relacionado com a educação sensorial.
O livro discute a educação da criança pelos princípios, especialmente, da Pedagogia Experimental, sendo constituído por “Apresentação”, de Madre Ana Vitória de Sion; “Introdução”, de Mário M. Montessori (único filho de Maria Montessori), e “Capítulos”. A finalidade de Montessori (1965, p. 9) era atribuir “[...] aos novos métodos [...] uma via prática, que presumem dotar a pedagogia de uma utilização mais ampla das experiências científicas sem, contudo, afastá-la dos princípios especulativos que lhe constituem as bases naturais”.
No primeiro capítulo “Considerações críticas”, Maria Montessori reflete a necessidade de reformar a escola e de afirmar uma pedagogia de base científica. Opondo-se às recompensas e punições escolares, por ela concebidos “carteira escolar da alma”, defende com veemência a “liberdade” como princípio norteador do modo de educar. A “reforma da escola” permitiria “o livre desenvolvimento da atividade da criança”, para assim se exercitar uma pedagogia científica. O educador, “observador da humanidade”, de “alma mística e científica”, aprenderia com a criança a se aperfeiçoar como educador.
Em “Antecedentes do método”, Maria Montessori se referencia no método fisiológico de Édouard Séguin, à educação das “crianças mentalmente deficientes”. Atenta aos fundamentos da Psicologia, da Higiene e da Antropologia, principalmente, adverte que o método educativo às crianças “normais” estava por delimitar-se. Os estudos sobre a criança, em si, não consistiam em uma pedagogia científica, por ausência de compreensão da atividade infantil ou de “um novo modo de educar”. O Método Experimental deveria pautar-se na observação das livres expressões das crianças, em ambiente estimulador capaz de fazer “descobrir [...] a sua verdadeira psicologia”.
No capítulo “O ambiente”, Maria Montessori defende a criação de um ambiente escolar que permita “[...] a observação metódica do crescimento morfológico dos alunos” (p. 42). A observação metódica ou o “método da observação” fundamenta-se na “[...] liberdade de expressão que permite às crianças revelar-nos suas qualidades e necessidades” (p. 42). Propõe, então, um “padrão de mobília escolar” composto por mesas, cadeiras, armários, pias, objetos sensoriais e “da vida prática” proporcionais à fisiologia da criança e à sua necessidade de agir inteligentemente. A função da “mestra”, nesse caso, consiste em orientar o uso específico de cada material no ambiente.
Conceder liberdade às crianças, segundo a autora, é libertá-las de “[...] obstáculos que impedem o desenvolvimento normal de sua vida” (p. 58). “A saúde” dos “pequerruchos” depende dos estímulos oferecidos pelos adultos, de modo a não “oprimir” e “enfraquecer” a alma e o corpo infantil. Fazer com que cada criança na escola se sinta compreendida em suas necessidades “[...] é abrir-lhes as portas da saúde” (p. 60). Assim, em “A natureza na educação”, orientada nas ideias de Jean Jacques Rousseau, Maria Montessori argumenta que a primeira infância necessita “viver em natureza” e “não apenas conhecê-la”. As energias musculares da criança demandam “libertar sua natureza”, revelando a saúde de sua força física.
Em “O homem vermelho e o homem branco”, Maria Montessori prossegue a discussão sobre as energias musculares. Pensa a vida vegetativa (sistema sanguíneo) e a vida de relações (sistema nervoso), em que figuram mecanismos de interdependência necessários ao funcionamento do organismo. Por isso, nenhum método de educação deve inibir o “movimento”, mas auxiliá-lo “[...] ao bom emprego das energias e ao desenvolvimento normal” (p. 78-79). Relaciona, pois, uma variedade de materiais e exercícios articulados à “vida prática”: pôr a mesa, abrir e fechar gavetas, abotoar camisas e enlaçar fitas; ao “andar”: equilibrar-se sobre uma “linha” desenhada em “elipse” no pavimento e à “livre escolha”: tocar, associar e agrupar cartões de lixa, barras, bastonetes em fusos para cálculos decimais, prismas, encaixes planos e cilindros sólidos, letras móveis sobre um “tapetinho”. Esse conjunto de elementos articulado às atividades sensoriais proporciona unidade ao “Método Montessoriano”, base da educação dos sentidos.
No capítulo “Generalidades sobre a educação sensorial”, Maria Montessori reflete a educação dos sentidos que precede às faculdades intelectuais superiores, devendo ocorrer “[...] mediante uma graduação e adaptação dos estímulos [...]” que auxiliará “[...] na formação da linguagem” (p. 98). Os materiais sensoriais devem se agrupar em série mediante determinadas qualidades: cor, forma, dimensão, som, textura, peso, temperatura etc. Trata-se de uma “[...] graduação em que a diferença de objeto a objeto varia regularmente” (p. 105). Para tanto, deve-se “isolar”, apenas, uma qualidade do material. A fim de trabalhar o sentido “visual”, por exemplo, a mestra apresenta à criança objetos idênticos de modo a se identificar apenas uma diferença: a “cor”. Além do princípio de “isolamento”, os materiais devem conter “controle do erro”, “estética”, “possibilidade de auto-atividade” e “limites”. Nesse modo de ensinar e educar, a mestra deve “dar a sua lição” com “simplicidade, objetividade e veracidade” mediante “três tempos”: i) pronunciar os nomes e adjetivos dos objetos com exatidão: “este é liso, este é áspero!”; ii) comprovar se a criança apreendeu a sua propriedade, apontando qual objeto é “liso” ou “áspero”; iii) pronunciar o nome da qualidade de cada objeto, conforme pergunta da mestra: “como é isto?”. Se a criança apreendeu o nome da propriedade, responderá: “isto é liso; ou, isto é áspero!”.
Os órgãos dos sentidos, segundo Maria Montessori, são órgãos de “apreensão” que estimulam o “entendimento” das imagens do mundo exterior, como a mão é o órgão de apreensão da matéria. Por essa razão, a Pedagogia Experimental, destinada a “elevar a inteligência”, deverá elevar esses dois meios de atividade: “os sentidos e as mãos”. Os “Exercícios” sensoriais consistem “A pedra de toque” para “observar” como a criança “[...] aprendeu a pôr cada coisa em seu lugar” (p. 166). O “ensino do silêncio”, favorecedor da disciplina motora e mental; os exercícios dos “mecanismos da inteligência”, indispensáveis ao controle do lápis na mão e sentido de direção das formas, letras e números; e as “percepções” táteis, visuais e auditivas, necessárias à correspondência sonora e gráfica e às “diferenciações” de propriedades, constituem, portanto, os “materiais de desenvolvimento” que direcionam, gradualmente, o modo de ensinar e educar a criança na sala de aula infantil.
A “Linguagem gráfica”, a “Leitura”, a “Numeração e iniciação à aritmética”, o “Desenho”, a “Música”, a “Educação religiosa” e a “Disciplina”, integram, conjuntamente, uma “série de exercícios” que constitui a educação da primeira infância, mediante “Ordem e progressão na apresentação do material”. Isto é, sucessão de “graus” da Pedagogia Experimental. Em outras palavras, representa o “método da educação sensorial” refletido, aplicado e analisado pela educadora Maria Montessori.
A “educação dos sentidos”, mediante gradação e adaptação dos estímulos sensoriais, é que permitia, pois, a “instrução” de cada criança pela própria iniciativa. Os princípios do “Método Montessoriano” oferecem “direção” à experimentação ativa dos objetos. O “contrôle do êrro” dos “materiais de desenvolvimento” possibilita redimensionar a ação da criança, dirigindo a sua atividade para “novas descobertas” – fundamento da Pedagogia Experimental. Oferta, simultaneamente, elementos às “observações psicológicas” da nova mestra, “diretora do trabalho espontâneo”.
Enfim, a Pedagogia Experimental com seus fundamentos bio-psicológicos, antropológicos e sociológicos habilitaria o mestre a distinguir cada individualidade para acompanhar, sistematicamente, seu desenvolvimento físico, mental, moral. Por conseguinte, a Pedagogia Experimental, colaborando com a observação e a experimentação nos lugares de aprendizado e de sociabilidade da criança, orientava um modo de ensinar renovado, fazendo uso em “larga escala” da educação dos sentidos.


[1] Resenha publicada, originariamente, na Revista Educação em Questãodo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ver arquivo em PDF.

Para referenciar: FERNANDES, Hercília M.; ARAÚJO M. M. Pedagogia científica à descoberta da criança. Revista Educação em Questão, Natal, v. 50, n. 36, p. 248 -252, set./dez. 2014.

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